segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Artigo publicado no site psicologianocotidiano

Uma Análise Lúdica de Totem e Tabu
Tatiana Ferreira Peres
A psicanálise é um método investigativo que possibilita analisar toda a produção humana, neste sentido, muitos estudos vêm ocorrendo, fazendo uma interlocução entre ela e as diversas formas de manifestações culturais. Atualmente, podemos contar com trabalhos direcionados a pensar a psicanálise e os contos de fadas, filmes, música e etc. Desde os primórdios, as crianças são influenciadas pelas histórias, sejam elas, contadas oralmente de geração em geração, em livros e agora com os filmes. “As histórias infantis ajudam a criança a nomear, entender, aceitar e tolerar muitos elementos de sua vida corporal e mental primitiva. Esta é a base para a sua transformação e crescimento emocional.” A produção Disney é rica em detalhes que permeiam o imaginário infantil. Cada história é um convite a pensar nas implicações dos elementos da vida que se refletem no sujeito singular. A proposta deste trabalho é discutir os elementos presentes na constituição psíquica do sujeito a partir da análise do filme Irmão Urso. A escolha por este filme se deve ao fato deste apresentar a importância do totem na instauração interna da lei, portanto, da figura paterna e da constituição da estrutura a partir da castração. É claro que o uso do totem é privilégio das culturas primitivas, entretanto, podemos associá-lo ao primeiro estágio do desenvolvimento infantil, considerando inclusive, o uso que algumas crianças podem fazer a partir de alguns objetos. A partir de 1910, Freud começa seus estudos sobre as práticas religiosas e a neurose obsessiva, salientando que a construção social reside nos primórdios da religião, neste momento, surge um interesse maior em compreender a relação da cultura e os povos primitivos. Muitos autores se debruçaram sobre este assunto, entretanto, enquanto eles buscavam compreender a construção social pela antropologia, Freud, apostava no mundo psíquico, portanto, a psicanálise oferecendo subsídios para sua leitura.Em Totem e Tabu, de 1913, Freud faz um bonito relato de suas pesquisas sobre as tribos primitivas, relacionando com os estágios primários infantis, dando uma ênfase clínica sobre a constituição da neurose. Freud em seu texto, explica-nos o que é um totem:

Via de regra é um animal... e mais raramente um vegetal ou um fenômeno natural.., que mantém relação peculiar com todo o clã... o totem é o antepassado comum do clã;... é o seu espírito guardião e auxiliar, que lhe envia oráculos, e embora perigoso para os outros, reconhece e poupa os seus próprios filhos...os integrantes do clã estão na obrigação sagrada...de não matar nem destruir seu totem e evitar comer sua carne ou tirar proveito dele de outras maneiras. O totem pode ser herdado tanto pela linha feminina quanto pela masculina. É possível que originalmente o primeiro método de descendência predominasse em toda parte e só subseqüentemente fosse substituído pelo último. A relação de um australiano com seu totem é a base de todas as suas obrigações sociais: sobrepõe-se à sua filiação tribal e às suas relações consangüíneas.... Em quase todos os lugares em que encontramos totens, encontramos também uma lei contra as relações sexuais entre pessoas do mesmo totem e, conseqüentemente, contra o seu casamento. Trata-se então da ‘exogamia’, uma instituição relacionada com o totemismo.Algumas outras considerações tornarão mais claro o significado em desta proibição:(a) A violação da proibição não é deixada ao que se poderia chamar de punição ‘automática’ das partes culpadas, como no caso de outras proibições totêmicas, tal como a existente contra a morte do animal totem. É vingada da maneira mais enérgica por todo o clã, como se fosse uma questão de impedir um perigo que ameaça toda a comunidade ou como se tratasse de alguma culpa que a estivesse pressionando.Pode-se depreender dela, porém, que o papel desempenhado pelo totem como antepassado comum é tomado muito a sério. Todos os que descendem do mesmo totem são parentes consangüíneos. Formam uma família única e, dentro dela, mesmo o mais distante grau de parentesco é encarado como impedimento absoluto para as relações sexuais.
O filme se inicia com Quenarre contando aos meninos de sua tribo a história de seu irmão mais novo no momento antecedente ao ritual de recebimento de seu totem. Um ritual de passagem da vida infantil para a vida adulta. Observamos neste momento, a transmissão dos significantes “familiares”, capazes de incluir estas crianças em seu clã.Este momento é celebrado por toda tribo, que espera a Nana (a xamã) chegar da montanha com o totem indicado para o menino Quenai. Nana explica: “Na idade certa o Grande Espírito nos indica um totem como guia. Para se tornar um homem, suas ações deverão estar pautadas por seu totem e quando sua vida for seu totem, deixará sua marca junto aos ancestrais.” O totem de Quenai é o Urso, representante do amor. Após a decepção do garoto, Nana lhe explica que este é o mais precioso dos totens, pois ele reúne todas as coisas. Para Freud, é o amor que impõe um freio ao narcisismo, sendo então um fator de civilização. Em meio ás comemorações, um Urso rouba a cesta de peixes de Quenai e este vai desafiá-lo. Então, para protegê-lo, Sidca, seu irmão mais velho (figura paterna) e Quenarre se reúnem para encontrá-lo. Sidca e Quenarre encontram Quenai com o Urso, para salvá-lo, Sidca quebra o pico gelado da montanha, caindo junto com o urso numa corredeira. Sidca morre. Revoltado com a morte do irmão, Quenai propõe a Quenarre que juntos matem o urso, Quenarre vai contra, explicando-lhe que isto não fará dele um homem e que os espíritos se aborreceriam. Quenai vai sozinho e consegue matar o urso, neste momento, ele é transformado em urso pelo espírito de seu irmão morto. “A violação de um tabu transforma o próprio transgressor em tabu (Freud, 1913) Quenarre chega e imagina que o urso matou Quenai e inicia então uma perseguição, Quenarre parte rumo a vingar seus dois irmãos. Nesta primeira parte do filme, Quenai demonstra onipotência em suas ações, observamos então, o primeiro momento da constituição do sujeito, do narcisismo primário. O sistema totêmico é um organizador social e se tornou a raiz de nossos preceitos e de nossas leis. (Freud, 1913) Apesar dos totens estarem desaparecidos na atualidade, os tabus permanecem com a fórmula moderna do imperativo categórico de Kant.
As mais antigas e importantes proibições ligadas aos tabus são as duas leis básicas do totemismo: não matar o animal totêmico e evitar relações sexuais com os membros do clã totêmico do sexo oposto. (Freud, 1913)



Nana orienta Quenai a procurar o espírito de seu irmão Sidca, para que ele possa ajudar a consertar seus erros, para tanto, ele precisa seguir em busca da montanha onde as luzes encostam-se ao chão, a montanha dos espíritos. “Certos perigos provocados pela violação podem ser evitados por atos de expiação e purificação.” Freud (1913), ainda conclui que se a violação pode ser corrigida por reparação ou expiação, isto envolve a renúncia a algum bem ou a alguma liberdade, isso prova que a obediência à injunção do tabu significava em si mesmo a renúncia a algo desejável, portanto da ordem da culpa e da castração, o que permite a inserção na cultura e na lei, permitindo que haja a possibilidade da saída do narcisismo primário para o secundário. Quenai parte em busca do espírito de seu irmão Sidca quando é preso numa armadilha, numa atitude “eu dou conta de tudo sozinho” rejeita a ajuda do pequeno urso Coda. Após muita luta para conseguir escapar, Coda o ajuda, entretanto, ele não reconhece esta, acreditando que se soltou sozinho.Quenarre o encontra e não consegue reconhecê-lo como seu irmão, por isso tenta o matar, imaginando que ele era o urso que havia matado seus irmãos. Quenai fica ressentido e surpreso com a atitude do irmão. Neste momento, a dimensão da culpa começa a surgir, por medo de perder seu lugar entre os homens, o que permite que ele siga o pequeno Coda em direção as montanhas onde tocam as luzes. Coda explica que os espíritos são os responsáveis por todas as mudanças na terra.No trajeto, Quenai se mostra impaciente com o pequenino, num comportamento ambivalente de aceitar que ele precisa de ajuda. Coda o leva para a corrida do salmão, no qual todos os ursos se encontram para comer e contar suas histórias.A partir do relato de Coda à comunidade de ursos, Quenai descobre que o urso que ele havia matado era a mãe de Coda. Sente-se culpado e conta para Coda sua versão da história. Coda se afasta de Quenai e este percebendo o mal que havia causado a Coda, vai atrás dele. O que demonstra a saída de narcisismo primário, no qual o outro não existe, para o secundário, no qual há uma ligação, uma relação que precisa ser cuidada.Quenai sobe a montanha e pede ajuda a Sidca, que coloca Quenarre a sua frente, os dois lutam e Coda salva Quenai, neste momento, Quenarre corre atrás de Coda que é protegido por Quenai, então Sidca o transforma novamente em menino, seu mal havia sido expiado.Sidca tira o totem de Quenai que estava amarrado na lança de Quenarre e o entrega ao menino.Como menino, Quenai não compreende mais Coda, ele se sensibiliza dizendo ao irmão Sidca que o pequeno urso precisa dele. Então, Sidca dá-lhe a opção de continuar a ser urso ou menino.Quenarre complementa dizendo: “Não importa o que vai escolher, será sempre meu irmão caçula”.Quenarre termina a história contada para sua tribo, dizendo que o amor é poderoso e que esta é a história de um menino que se transformou em homem ao se tornar urso, neste momento, aparece Quenai colocando sua marca entre os ancestrais. Ou quando na verdade, pode fazer de seu totem sua vida.A dimensão da lei em que todos estão remetidos é o que permite a escolha do sujeito e de seu posicionamento no mundo e nas relações. Na continuação do filme, Irmão Urso 2, Quenai encontra um amor, isto só é possível pela instauração da metáfora paterna, mas isto é assunto para um outro trabalho.
Referências Bibliográficas
DISNEY, Walt. Irmão Urso. Videolar, 85 min, colorido, sem data.
FIGUEIREDO, Luis Cláudio. A metapsicologia do cuidado. Palestra ministrada na Maternidade Escola da UFRJ em 09 de março de 2007
Freud, Sigmund. Edição Eletrônica das Obras Completas. Rio de Janeiro, Imago, sem data.

FIGUEIREDO, Luis Cláudio. A metapsicologia do cuidado. Palestra ministrada na Maternidade Escola da UFRJ em 09 de março de 2007.

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